"You are my favorite thing."
Prolongamos. Como prolongamos. Mas aqui estamos diante de um término inevitável que soa dolorosamente recente. O final da excepcional Fringe. Nossa favorita. Estreando em setembro de 2008, a série que se desconstruiu em prol de uma narrativa corajosa e original cresceu. Transgrediu de procedural "já vi isso em outro lugar" a um dos contos mais sublimes sobre a luta da humanidade contra sua própria evolução e, hoje, tida como um sci-fi sólido e de planejamento afiado, prova com uma series finale emocional, a qual não sacrifica a coesão, ser uma das melhores e mais espetaculares produções já vistas na TV.
E se no decorrer de cinco temporadas, nutrimos sentimentos pelos personagens como se a cada semana recebêssemos uma nova dose de cortexiphan que intensificasse os laços gerados por Walter, Peter, Olivia, Astrid e (por que não?) Gene, são estes os sentimentos que J.H. Wyman utiliza para nos levar a exaustão emocional em duas horas de televisão excepcional e que cumprem o impossível: agradar a todos.
A series finale de Fringe, portanto, soa como uma belíssima homenagem aos fãs que, majoritariamente, respeita a construção ditada pelos seus roteiristas desde o princípio. Assim, fechado pontas em uma costura precisa, dando aos personagens suas afáveis redenções e entregando um desfecho épico que atinge um clímax catártico como nunca imaginamos, Fringe vai nos fazendo sentir a característica dor da perda.
Iniciando em um tom casual, a primeira parte da finale nos apresenta o letreiro do laboratório de Harward indicando o já tão conhecido local. Nele, presenciamos o impossível se realizar. Pela última vez. Parafraseando Walter "tanto aconteceu ali e tanto ainda está para acontecer". Em paralelo, acompanhamos Windmark em uma tentativa falha de extrair informações do garoto Michael, onde a trama pela primeira vez se mostra cíclica dando ao estimado capitão um ferimento no olho familiar e merecido.
Não obstante, a finale rebusca o cortexiphan (elemento introduzido em "Ability" que nos remete aos experimentos de William Bell no anos 70) como combustível para uma última viagem ao universo dos dirigíveis. Por conseguinte, "Liberty" nos permite rever personagens que havíamos deixado em um conflitante passado, mais precisamente, há 21 anos, quando Walter fora forçado a fechar a ponte que ligava os universos em detrimento de um apocalipse criacionista.
Bolivia e Lincoln, agora casados e com filho, surgem como um apoio ao antes inimigo lado A. Walternativo, por sua vez, não deu os ares de um último reencontro, todavia, me sinto completamente satisfeito em saber que o mesmo aos 90 anos de idade leciona, ao invés de conduzir planos de destruição ao universo vizinho.
Fazendo também jus ao próprio titulo, "Liberty" culmina no derradeiro resgate de Michael na Ilha da Liberdade, onde após derrubar alguns observadores enquanto oscilava entre universos paralelos, Olivia teve a oportunidade de protagonizar os 40 minutos que antecedem a finale.
E se a primeira parte deste último capítulo garante ao público as sequências de ação eletrizantes tão prometidas, é em seu segundo ato que os roteiristas entregam os momentos melancólicos e emocionais da finale. O primeiro deles, a branda despedida de Walter e Peter que aqui é composta com maestria pelos implacáveis Joshua Jackson e John Noble, este último premiado por 5 vezes no Alternative Emmy do lado B. E é naquele momento que, procurando preencher o vazio em breve deixado por aqueles personagens, nos encontramos no abraço final da dupla, enquanto ouvíamos as belas palavras de Walter dizendo a Peter que o mesmo era a sua coisa favorita no mundo.
O ápice do episódio, porém, é a na minha opinião a sequência final entre Asgard, digo, Astrid e Walter, onde, dentro do âmber, a primeira nos convida a rever a vaca de mugido alto e olhos carinhosos Gene, enquanto conforta Walter prometendo-o em um último afago que os mesmos venceriam a guerra e, quado o fizessem, estariam juntos bebendo milk shakes de morango no laboratório. "Sounds lovely". Não obstante, Walter nos leva à lágrimas ao elogiar o nome da assistente que carinhosamente errou ao longo cinco anos para finalmente nos emocionar pronunciando um belíssimo "Astrid".
Além das despedidas que nos levaram a momentos de pura catarse, os roteiristas fizeram um trabalho excepcional ao rebuscar elementos das temporadas anteriores (exaltados na seção de easter eggs abaixo) e aplicá-los no conflito final entre observadores e humanos, compondo com perfeição seu último fringe event. E apesar do atentado comandado por Peter e Olivia ter sido visualmente espetácular, a vingança contra os observadores não parecia completa. Windmark havia de ser morto e, como solução, algumas doses de cortexiphan, assim como a bala que salvou o mundo, foram suficientes para, literalmente, puxar o gatilho.
Eis que a finale atinge seu momento de resolução e a visão de um September, o inimigo do destino, baleado, nos dá a certeza dolorosa de que o sacrifício, assim como o fim, era inevitável. Walter, então, caminha para sua redenção. O homem que deu início a um processo destrutivo ao atravessar um portal para outro universo na companhia do filho, se redime entrando em um portal semelhante que o conduz ao futuro ao lado do pequeno Michael.
Assim, presenciando a finitude desta narrativa intrínseca, cíclica e inigualável, somos presenteados com um belíssimo prólogo, onde a pequena Etta, antes privada do abraço de Peter pela chegada dos observadores ao ano de 2015, encontra finalmente os braços do pai. Temos, então, a ínfima certeza de que tudo está bem, embora havia em cada um de nós um vazio sensorial que só poderia ser preenchido por um símbolo de esperança. E ele o vem, como a cereja no topo do bolo desta obra sui generis, a tulipa branca.
Acompanhado do fim, vem a tristeza incontrolável. Porém, também me sinto pleno. Realizado. Feliz por um dia saber que irei me deparar com um tulipa e sorrir em satisfação. Talvez encontrar uma borboleta azul e no fundo me preocupar com possíveis asas afiadas. Até avistar um homem careca de terno e calcular de qual data no futuro ele veio. Ou saborear um milk shake de morango e recordar de um cientista brilhante que brincava com sua assistente de belo nome. Obrigado, Fringe. You are my favorite thing.
Easter eggs:
E pela última vez (como é triste dizer isto) vamos aos easter eggs do episódio final. Começando por uma bela homenagem aos principais Fringe Events que acompanhamos nos últimos anos. Dentre eles, as borboletas cortantes que mataram um jovem executivo da Massive Dynamic no episódio 1x09 "The Dreamscape" e que aqui são usadas impiedosamente contra um observador.
Também tivemos a criatura viscosa do episódio 1x11 "Bound" abrindo a traqueia de um loyalistpara nos lembrar que, no passado, Fringe costumava nos deixar literalmente boquiabertos com casos nojentos e até perturbadores.
A propósito, eis outra prova de que a series finale foi de explodir cabeças e que por outro lado nos lembra do episódio "The Box" no qual uma frequência sonora causa a explosão da cabeça de um anão no metrô.
O antes citado 1x14 "Ability" é igualmente relembrado pela imagem de um observador contorcendo-se em uma tentativa de respirar enquanto apresenta o rosto com todos os orifícios selados pela toxina.
No laboratório, ainda pudemos recordar do episódio "Fracture" quando vemos a figura de uma vítima sobre a mesa, cadáver este semelhante ao do policial morto pelo processo de cristalização humana vista no 2x03.
Outra arma biológica utilizada contra os observadores foram os parasitas de "Snakehead", episódio no qual a tripulação de um cargueiro carregado de imigrantes é encontrada morta na costa de Boston, sendo que cada um dos corpos reservava uma bela e nojenta surpresa.
Ainda tivemos um última referência ao episódio final em seu antecessor, o 5x12 "Liberty", quando September fecha a porta do apartamento de December exibindo o número 513. Esta sendo uma simples porém eficaz alusão ao fato de estarmos entrando no episódio 5x13 a seguir.
Outro easter egg visto durante o ataque ao prédio dos observadores é a icônica mão com 6 dedos, um dos símbolos principais da série que aqui aparece marcado em sangue.
E os glyphs codes finais são LOVED (Amado) e CLOSE (Desfecho). O primeiro uma alusão, acredito eu, as lembranças de Walter, nas quais ter sido amado se tornou a chave para a aceitação do seu destinado sacrifício. Já o segundo, uma clara referência ao fantástico desfecho da série.
Para finalizar, os roteiristas fizeram questão de nos agradecer por anos de apoio, campanhas anti-cancelamento e dedicação reservada. E eles o fizeram. Deixaram um discreto "Obrigado pelo seu apoio" acima da carta enviada por Walter com a bela tulipa branca.
E para finalizar este texto, gostaria de agradecer a vocês leitores que acompanharam semanalmente minhas reviews aqui no Fringe BR ou no Canal de Séries contribuindo nos comentários com teorias, elogios e, inclusive, críticas. Obrigado, vocês fizeram da experiência que foi assistir Fringe algo ainda mais especial.
Por Gabriel Dias.